quarta-feira, 14 de maio de 2008

Coitado do Adão...


Apaixonou-se pela Eva errada e, quando pensava que tudo ia bem, ela resolveu partir. Não, não foi a serpente quem a tentou; Foi a dança.
Mulata faceira, com fama de grande sambista, recebeu uma proposta para dançar no exterior e resolveu aceitar. Estava cansada daquela vida de operária, vivendo de migalhas.
Pensava apenas no seu nome estampado em letreiros luminosos, um carrão a esperá-la na saída do clube e todos aqueles homens finos a se arrastarem atrás de si, dispostos a tudo para tê-la ainda que em uma noite apenas.
Sairia daquele subúrbio ordinário e moraria na Europa. Só de pensar nisso, seus pés começavam a mexer-se como que querendo levá-la imediatamente para viver seu grande sonho.
Ele não suportava a idéia. Imaginava que seu amor seria o bastante para mantê-la ao seu lado. Primeiro ele mostrou-se durão, dizendo-se contrário àquela viagem, procurando mostrar-lhe todos os contras e nenhum pró daquela loucura; Falou do trabalho escravo, do tráfico de mulheres para a prostituição, mas nada parecia demovê-la daquela idéia absurda, a seu ver.
Resolveu mudar de estratégia e, de durão, passou a criança desprotegida, dizendo-lhe de todo o amor que sentia, que sua vida não teria mais razão sem ela, etc; Chorava. Ela ria.
Naquele dia ela, sem mais delongas, informou-o partiria ainda no próximo fim-de-semana. Foi demais!
Como! Então ela não me ama de verdade e pretende partir! Não, sem ela não vou ficar!
E, tresloucado de amor, tomou a decisão: iria se envenenar. Preferia morrer a continuar sem ela em sua vida.
Decisão tomada no desatino, comprou o veneno e tomou-o ao chegar em casa. Talvez imaginasse uma morte serena mas, coitado, as dores eram tantas que, cambaleando, saiu de seu quarto para cair na sala, na presença de sua mãe, que o julgava trabalhando.
Num arrependimento súbito, pediu socorro e contou o que havia feito.
Em seus olhos verdes, podia-se ver o desespero de encarar um fim que ele agora tinha a certeza de não ser o melhor. Via todo aquele tumulto ao seu redor e a morte nos olhares melancólicos que lhe eram lançados. Seu último pensamento foi para ela.
Coitado do Adão.
Naquele sábado, enquanto seu corpo baixava à sepultura, ela embarcava num avião com destino à sua tão sonhada Europa.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Saudade



Há dois anos você resolveu partir. Tenho a certeza de que ainda poderia ter ficado mais um tempinho por aqui, mas, por razões que jamais consegui entender, entregou-se e partiu. Há dois anos tento entender os motivos e, embora até desconfie de alguns, não consigo atinar que você tenha simplesmente desistido da luta e ficar por aqui me dando forças para continuar e acreditar que ainda seríamos felizes e daríamos boas gargalhadas de todos aqueles maus momentos.
Sei que eles foram muitos. Caramba, como eu sei. Testemunhei vários deles e sempre estive a seu lado tentando protegê-la. Era como se a minha simples presença fosse capaz de transformar tudo e minhas palavras tivessem o poder de uma varinha mágica, afastando todo o mal.
Esqueci-me que varinhas mágicas só existem em contos-de-fadas e que, na realidade, ambas não existem. Esqueci-me que a realidade é bem mais dura que os sonhos e que as palavras, muitas vezes, o vento leva.
Foram muitas noites sem dormir e uma vontade imensa de partir à sua procura. Aceitar sua partida era, no mínimo, impensável.
Hoje o dia foi péssimo. Sua lembrança esteve presente mais que nos outros dias desses dois anos e a saudade doeu um pouco mais forte. O pior é saber que essa dorzinha chata vai permanecer pelo resto da vida; Não há remédio que possa curá-la.
E doerá sempre um pouco mais quando me lembrar de nossa despedida. Você estava tão linda como eu talvez nunca a tivesse reparado. Um turbilhão passou em minha cabeça e, como num filme acelerado, pude rever quase que nossa vida inteira. Sentei-me a seu lado pois o chão parecia ter sumido e, apesar daquele torpor que teimava em me dominar, tentei dizer-lhe ainda algumas coisas que talvez não tenha dito quando tive a oportunidade. Acreditava não ser preciso dizê-lo pois, em minha cabeça, você o sabia.
Sei que você as ouviu como ouviu a tantas outras coisas durante essa nossa separação. Mesmo assim, sua decisão de partir já havia sido tomada e era decisiva; Não podíamos sequer pensar em voltar atrás.
Mas, sabe de uma coisa? Eu ainda te amo como sempre amei e sempre vou amar. Esse amor enorme não será destruído por ausências ou distâncias.
Agora sozinho, vou aprendendo, cada vez mais, a conviver com isso e acreditando que valeu a pena cada segundo vivido em sua companhia. Foram segundos únicos e vão ficar, bons ou maus, gravados para sempre nessa memória que anda falhando muito ultimamente.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Deserto


Hoje eu acordei pensando em você. Pensando naqueles dias em que tudo parecia cheio de luz e cor, pois tinha você ao meu lado, pro que desse e viesse. Percebo agora que não era bem isso, mas era esse o meu pensamento e estava disposto a enfrentar as mais perigosas façanhas para, depois, comemorar as vitórias a seu lado.
Lembrei-me dos planos que fiz esquecendo-me de lhe consultar. Os seus eram outros, agora sei.
Das promessas de não mais pensar, esqueci-me completamente. Você está em mim como um vírus que circula em meu sangue e por vezes me tira o ar, me tira o chão.
Faz-me sentir inveja desse poder imenso que tens sobre mim e ao mesmo tempo faz-me odiar-lhe por não conseguir deixar de lhe amar.
Fazer o quê? Já disse ao meu coração, inúmeras vezes, que tudo passou como tantas outras coisas na vida. Mas ele, teimoso, insiste em lembrar-me que você ainda existe, distribuindo por aí os mesmos sonhos que me roubou quando se foi.
Ele não me deixa esquecer os seus olhos refletindo os meus enquanto seus lábios se moviam na pronúncia daquelas três palavras que levam um idiota apaixonado às estrelas: eu te amo.
Rasguei suas fotos e deletei suas mensagens. Mas há um backup escondido aqui dentro que te coloca vez por outra na tela de minha vida, como que zombando das minhas vãs tentativas de seguir em frente na busca dessa tão sonhada felicidade.
No deserto em que vivo, o caminho é áspero e as pedras de sua falsidade, escondidas na areia, rasgam-me os pés que já não doem mais. O sol me queima a pele que um dia recebeu seus carinhos e que eu gostaria de arrancar...
Mas a brisa, que vem chegando avisa-me que talvez haja um oásis por perto e nele eu poderei enfim matar minha sede de paz.

Visitantes