domingo, 1 de agosto de 2010

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Figuraças

Aos poucos ele foi conhecendo as personalidades do lugar.
O Candidato - Bonachão e simpático, fazia questão de dizer que tomara prejuízos enquanto dono do bar, tendo até então uma enorme pilha de cheques de clientes devolvidos por falta de fundos. Fora roubado até mesmo em mercadorias dentro de sua cozinha mas nada fez para manter a amizade, segundo ele. Que amizade, que nada! Tudo não passara de uma questão política, isso sim. Aliás, ele veste bem a máscara dessa figura odiada por nós, simples mortais, que pagamos nossos impostos com o fruto do nosso trabalho. Sua passagem ali era motivo de frenesi; por todos os lados os amigos e admiradores iam surgindo e se espalhando pelo bar. Uma de suas asseclas, caloteira e mau-caráter, trabalhava para a prefeitura de São João de Meriti e de lá desviava vários pedidos de exames e consultas para os eleitores do “patrão”.
O Gordinho - Sempre ao lado do magrelo grisalho era presença constante então. Para ele, não poderia haver nenhuma reunião de negócios fora da mesa de um bar. Correto, sempre pagara as contas direitinho mas o magrelo grisalho que andava sempre a seu lado... Esse era mestre em esquecer pequenos detalhes do consumo na hora de quitar a conta.
O Motorista – Esse talvez seja um dos piores representantes da fauna local; Com pose de magnata, só consome refrigerantes “diet”, sempre sem pagar. Caso o patrão não pague, ele vai saindo de fininho, como se não tivesse consumido absolutamente nada. Aliás, o namorado do patrão tem o mesmo hábito...
O Careca – Mais uma lenda local, detestado e abraçado por todos. Anda sempre bem vestido – apesar da monstruosa barriga - e com relógios caros. Sua cerveja tem que ser servida em um copo especial; Pra comer, serve um saquinho de amendoim de cinquenta centavos, desde que servido em um pratinho de louça com um pouco de azeite. Para ele, ninguém sabe fazer nada. Não poupa críticas nem à própria mulher e ao filho. Ele detém todos os dotes culinários e de etiqueta. E tem o péssimo hábito de achar que, por ser ex-policial, pode consumir sem pagar. Cobrado, faz beicinho e pirraça. O idiota talvez nem desconfie o quanto é motivo de chacota no lugar.
O Expert – Assim ele próprio se define, principalmente em se tratando de relações humanas. Falastrão, adora gabar-se de ajudar à concorrência, tendo em vista só atender à elite em sua barbeariazinha melhorada, cobrando altos preços. Está sempre se vangloriando de um faturamento altíssimo em seu estabelecimento mas, pra variar, consome sempre no pendura. Se não for cobrado, não paga. À noite pode ser encontrado por ali, bêbado e tropeçando nas próprias pernas. Incrível que, tendo o talento profissional a que se atribui, não perceba a urgência de dar uma melhorada no seu visual.
O Bêbabo – Esse está sempre assim: bêbado. Arrasta mulher e filho – ainda bebê - para os bares locais, sempre bebendo todas e pendurando. Enquanto houver um bar aberto, não volta para casa. Com tanto álcool no sangue, chega a agredir a mulher e fala alto, incomodando a todos em volta. Vangloria-se de participar de uma “patota” de bêbados e inconseqüentes como ele.
O 171 – Ele é descarado e descompromissado até mesmo com a própria filha. Por ironia do destino, tem um apelido japonês e tudo procura fazer para desmerecê-lo: não paga as contas nos locais em que deve, rouba o patrão para gastar nos bordéis do lugar e desfila por ali como se isso fosse a coisa mais natural do mundo. Naturalmente, todos falam dele e a ele cumprimentam. Inacreditável.
A Barbie – Sempre a procura de alguém que banque suas despesas, ela chega de mansinho, pede uma cerveja e ali fica horas enrolando, como uma cobra à espreita da presa, até que apareça um otário ou otária que pague a conta. Costuma esconder garrafas sob a mesa ou despacha-las para um canto bem longe de si, de forma a escapar do pagamento. Quando isso não é possível, recorre ao pendura e aí, pra receber, só mesmo fazendo muitas orações.
O Bon Vivant – Alto, olhos claros, arrogante, gosta de se gabar pelo número de casamentos que já teve, como se isso não fosse um problema dele e sim das esposas que já teve. Julga-se acima de todos e trata com desdém àqueles que não tiveram a mesma sorte que ele. Detesta pegar no pesado e passa os dias a perambular pelo bairro, sempre perfumado e fazendo fofocas, coisa de que mais gosta. Seu assunto predileto é o próprio pai, a quem não poupa críticas, talvez por este não concordar com seu estilo de vida. Viciado em máquinas de jogo, perde ali o que tem e o que não tem. Chega a pedir emprestado quando o seu dinheiro acaba. Cuidado! Você terá que ser muito insistente para receber o que emprestou.
A Família Trapo – Duas irmãs e um amontoado de parentes com nenhuma educação. Só aparecem em dias de “festa”, quando o bar está lotado e eles podem beber e comer à vontade, sempre na conta de outros. Porcos, espalham lixo por onde passam. As crianças, desde cedo demonstram total falta de respeito pelo alheio: quebram tudo em que tocam. As mães nem percebem pois estão ocupadas em disputar a cerveja. Se alguém pede algo para comer, eles avançam sem cerimônia e consomem tudo em questão de segundos. Sua saída é um alívio!
As Piriguetes – Presença constante onde haja bebidas e homens, elas não poderiam faltar aqui. Com bermudas curtíssimas e apertadas e decotes ousados, não se preocupam nem um pouco com os pneus que teimam em apontar sua necessidade de uma dietazinha. Se percebem que o cara tá com mais um pouquinho de grana, cercam-no de todos os lados. Esfregam-se nele como cadelas no cio, sem se preocupar com os demais. Os beijos, abraços e amassos são a principal moeda de troca. Essas, pelo menos, são um alento pois ajudam a aumentar o faturamento um pouquinho. O triste é ter que aturar suas músicas preferidas que começam com o funk e acabam com o Calcinha Preta.

Solitaire: Por acaso

Solitaire: Por acaso

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Por acaso

Por acaso
Assim ele chegou àquele lugar, de onde nunca havia ouvido falar.
Naquele dia, cansado de espalhar currículos por aí e pedir empregos ou indicações aos amigos e desconhecidos, resolveu iniciar uma nova empreitada, adquirindo aquele que parecia ser o "bar dos sonhos".
Foi tudo muito rápido e, inexperiente, lançou-se em algo no qual não tinha a menor experiência, acreditando que tudo daria certo. Nem mesmo a expectativa de servir à mesa ou lavar louças o assustara.
Assim, naquela quarta-feira lá estava ele, aprendendo a abastecer geladeiras com cervejas, a abrir e fechar toldos e portas-de-aço e por aí afora.
O dia correu tranquilo, com muitas apresentações à vasta clientela, com mesuras de falso espanto e boas vindas.
À noite, porém, veio a prova-de-fogo. Era dia de Fla-Flu e a platéia - lotada - estava eufórica.Gritos, assovios e palavrões rolavam a cada lance do jogo. Junto a isso, os pedidos - muitas vezes aos berros - por mais bebida. Por instantes, pensou que fosse enlouquecer, tamanha era a quantidade de solicitações.
Ao final da partida, uma briga entre marido e mulher - torcedores adversários - esvaziou um pouco o lugar.
Veio então a constatação de uma enorme quantidade de garrafas vazias, escondidas, que foram consumidas sem o devido pagamento e, pela primeira vez, a sensação de arrependimento. O jeito foi tocar a bola pra frente e encarar o novo dia que trouxe-lhe ainda outras surpresas.
Alguns senhores distintos faziam churrasco na calçada em frente e, sem cerimônia alguma, apanhavam cadeiras e mesas do bar que foram devolvidas à tardinha, imundas. O volume de copos sujos superava qualquer expectativa pois naquele lugar as pessoas têm o hábito de oferecer um "copinho" a cada amigo que passa. Isso sem falar nos famosos "serrotes" - um bando de desocupados que cercavam os tais senhores como mariposas em torno de uma lâmpada e que desaparecia tão logo os distintos senhores pagassem a conta. Isso sem considerar o fato de que, muitas vezes, todos se achavam no direito de apanhar bebidas diretamente na geladeira, sem prévio aviso, dificultando enormemente a cobrança ao final.
Ele então percebeu que apenas um exército de empregados poderia impedir isso mas, na impossibilidade de pagar tantos salários, o jeito seria desdobrar-se em mil para tentar diminuir os prejuízos com esses pequenos grandes enganos.
Reclamar? Ora eles estavam consumindo as cervejas do bar e por isso julgavam-se com direitos não muito saudáveis.
Era época de campanha política e o candidato do lugar arrastava multidões por onde passava. Uma multidão de fãs e "amigos" que o abraçava e beijava, pedindo favores em troca de votos (promessas com certeza não cumpridas, haja vista o resultado das eleições).
Os pedidos de pinga, cerveja e refrigerante se multiplicavam em progressão geométrica, com o candidato esquecendo-se várias vezes de pagar ao final, ficando para o bar a fatura da festa.
Aqui todos se beijam e abraçam espalhafatosamente. Todos se vangloriam de serem conhecidos ou moradores do lugar há 30, 40 anos e de conhecerem a árvore genealógica dos outros.
Quando se afastam, porém, a maledicência é uma constante e os "amigos" se revelam de modo pérfido, apontando as fraquezas e desvios de cada um.
Assim ele ficou sabendo que as traições conjugais, as drogas e a aplicação de pequenos golpes rolam soltas por ali.
Com o tempo, observando o comportamento dessa gente, ele pode tirar algumas conclusões, deduzindo algumas verdades e um amontoado de mentiras.
A grande e maior verdade, talvez, seja que a falsidade grassa nesse lugar com carrões e pessoas estilosas que perdem a pose com apenas alguns copos e demonstram toda a sua arrogância e falta-de-educação. Nisso, o público feminino supera, de longe, o masculino.
Cospem e jogam pontas de cigarro no chão, mesmo com um cinzeiro à mesa. Depredam banheiros sem piedade, quebram copos e garrafas sempre com um sorriso sarcástico, como se isso fosse a coisa mais natural do mundo. Pedidos de desculpas, nem pensar.
Impossível esquecer o péssimo hábito de trazerem comidas e bebidas de outros locais para degustá-las ali, servindo-se de talheres e guardanapos do bar, no maior descaramento. Ao sair, a horda deixa atrás de si um rastro de lixo e sujeira nas mesas. Um hábito repreensível que, para eles, é perfeitamente normal.
Triste realidade a desse lugarzinho metido a cosmopolita.
Vai esperar o ônibus e ele demora? Puxe uma cadeira do bar para a beira da calçada e espere confortavelmente. Quando o ônibus vier, deixe-a onde está pois o pessoal do bar tem a obrigação de rearrumar tudo.
Quer fazer um trabalho escolar ou um relatório de trabalho? Vamos, o bar está logo ali: é só puxar uma cadeira, espalhar a papelada sobre a mesa e realizar suas tarefas.
Ah, sim. Eles estão bebendo em outro bar e querem usar o seu banheiro? Permita. Eles provavelmente irão molhar todo o seu banheiro, tomar banho na sua pia e utilizar todo o seu papel-toalha para se secarem.
Continua...

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Coitado do Adão...


Apaixonou-se pela Eva errada e, quando pensava que tudo ia bem, ela resolveu partir. Não, não foi a serpente quem a tentou; Foi a dança.
Mulata faceira, com fama de grande sambista, recebeu uma proposta para dançar no exterior e resolveu aceitar. Estava cansada daquela vida de operária, vivendo de migalhas.
Pensava apenas no seu nome estampado em letreiros luminosos, um carrão a esperá-la na saída do clube e todos aqueles homens finos a se arrastarem atrás de si, dispostos a tudo para tê-la ainda que em uma noite apenas.
Sairia daquele subúrbio ordinário e moraria na Europa. Só de pensar nisso, seus pés começavam a mexer-se como que querendo levá-la imediatamente para viver seu grande sonho.
Ele não suportava a idéia. Imaginava que seu amor seria o bastante para mantê-la ao seu lado. Primeiro ele mostrou-se durão, dizendo-se contrário àquela viagem, procurando mostrar-lhe todos os contras e nenhum pró daquela loucura; Falou do trabalho escravo, do tráfico de mulheres para a prostituição, mas nada parecia demovê-la daquela idéia absurda, a seu ver.
Resolveu mudar de estratégia e, de durão, passou a criança desprotegida, dizendo-lhe de todo o amor que sentia, que sua vida não teria mais razão sem ela, etc; Chorava. Ela ria.
Naquele dia ela, sem mais delongas, informou-o partiria ainda no próximo fim-de-semana. Foi demais!
Como! Então ela não me ama de verdade e pretende partir! Não, sem ela não vou ficar!
E, tresloucado de amor, tomou a decisão: iria se envenenar. Preferia morrer a continuar sem ela em sua vida.
Decisão tomada no desatino, comprou o veneno e tomou-o ao chegar em casa. Talvez imaginasse uma morte serena mas, coitado, as dores eram tantas que, cambaleando, saiu de seu quarto para cair na sala, na presença de sua mãe, que o julgava trabalhando.
Num arrependimento súbito, pediu socorro e contou o que havia feito.
Em seus olhos verdes, podia-se ver o desespero de encarar um fim que ele agora tinha a certeza de não ser o melhor. Via todo aquele tumulto ao seu redor e a morte nos olhares melancólicos que lhe eram lançados. Seu último pensamento foi para ela.
Coitado do Adão.
Naquele sábado, enquanto seu corpo baixava à sepultura, ela embarcava num avião com destino à sua tão sonhada Europa.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Saudade



Há dois anos você resolveu partir. Tenho a certeza de que ainda poderia ter ficado mais um tempinho por aqui, mas, por razões que jamais consegui entender, entregou-se e partiu. Há dois anos tento entender os motivos e, embora até desconfie de alguns, não consigo atinar que você tenha simplesmente desistido da luta e ficar por aqui me dando forças para continuar e acreditar que ainda seríamos felizes e daríamos boas gargalhadas de todos aqueles maus momentos.
Sei que eles foram muitos. Caramba, como eu sei. Testemunhei vários deles e sempre estive a seu lado tentando protegê-la. Era como se a minha simples presença fosse capaz de transformar tudo e minhas palavras tivessem o poder de uma varinha mágica, afastando todo o mal.
Esqueci-me que varinhas mágicas só existem em contos-de-fadas e que, na realidade, ambas não existem. Esqueci-me que a realidade é bem mais dura que os sonhos e que as palavras, muitas vezes, o vento leva.
Foram muitas noites sem dormir e uma vontade imensa de partir à sua procura. Aceitar sua partida era, no mínimo, impensável.
Hoje o dia foi péssimo. Sua lembrança esteve presente mais que nos outros dias desses dois anos e a saudade doeu um pouco mais forte. O pior é saber que essa dorzinha chata vai permanecer pelo resto da vida; Não há remédio que possa curá-la.
E doerá sempre um pouco mais quando me lembrar de nossa despedida. Você estava tão linda como eu talvez nunca a tivesse reparado. Um turbilhão passou em minha cabeça e, como num filme acelerado, pude rever quase que nossa vida inteira. Sentei-me a seu lado pois o chão parecia ter sumido e, apesar daquele torpor que teimava em me dominar, tentei dizer-lhe ainda algumas coisas que talvez não tenha dito quando tive a oportunidade. Acreditava não ser preciso dizê-lo pois, em minha cabeça, você o sabia.
Sei que você as ouviu como ouviu a tantas outras coisas durante essa nossa separação. Mesmo assim, sua decisão de partir já havia sido tomada e era decisiva; Não podíamos sequer pensar em voltar atrás.
Mas, sabe de uma coisa? Eu ainda te amo como sempre amei e sempre vou amar. Esse amor enorme não será destruído por ausências ou distâncias.
Agora sozinho, vou aprendendo, cada vez mais, a conviver com isso e acreditando que valeu a pena cada segundo vivido em sua companhia. Foram segundos únicos e vão ficar, bons ou maus, gravados para sempre nessa memória que anda falhando muito ultimamente.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Deserto


Hoje eu acordei pensando em você. Pensando naqueles dias em que tudo parecia cheio de luz e cor, pois tinha você ao meu lado, pro que desse e viesse. Percebo agora que não era bem isso, mas era esse o meu pensamento e estava disposto a enfrentar as mais perigosas façanhas para, depois, comemorar as vitórias a seu lado.
Lembrei-me dos planos que fiz esquecendo-me de lhe consultar. Os seus eram outros, agora sei.
Das promessas de não mais pensar, esqueci-me completamente. Você está em mim como um vírus que circula em meu sangue e por vezes me tira o ar, me tira o chão.
Faz-me sentir inveja desse poder imenso que tens sobre mim e ao mesmo tempo faz-me odiar-lhe por não conseguir deixar de lhe amar.
Fazer o quê? Já disse ao meu coração, inúmeras vezes, que tudo passou como tantas outras coisas na vida. Mas ele, teimoso, insiste em lembrar-me que você ainda existe, distribuindo por aí os mesmos sonhos que me roubou quando se foi.
Ele não me deixa esquecer os seus olhos refletindo os meus enquanto seus lábios se moviam na pronúncia daquelas três palavras que levam um idiota apaixonado às estrelas: eu te amo.
Rasguei suas fotos e deletei suas mensagens. Mas há um backup escondido aqui dentro que te coloca vez por outra na tela de minha vida, como que zombando das minhas vãs tentativas de seguir em frente na busca dessa tão sonhada felicidade.
No deserto em que vivo, o caminho é áspero e as pedras de sua falsidade, escondidas na areia, rasgam-me os pés que já não doem mais. O sol me queima a pele que um dia recebeu seus carinhos e que eu gostaria de arrancar...
Mas a brisa, que vem chegando avisa-me que talvez haja um oásis por perto e nele eu poderei enfim matar minha sede de paz.

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