quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Por acaso

Por acaso
Assim ele chegou àquele lugar, de onde nunca havia ouvido falar.
Naquele dia, cansado de espalhar currículos por aí e pedir empregos ou indicações aos amigos e desconhecidos, resolveu iniciar uma nova empreitada, adquirindo aquele que parecia ser o "bar dos sonhos".
Foi tudo muito rápido e, inexperiente, lançou-se em algo no qual não tinha a menor experiência, acreditando que tudo daria certo. Nem mesmo a expectativa de servir à mesa ou lavar louças o assustara.
Assim, naquela quarta-feira lá estava ele, aprendendo a abastecer geladeiras com cervejas, a abrir e fechar toldos e portas-de-aço e por aí afora.
O dia correu tranquilo, com muitas apresentações à vasta clientela, com mesuras de falso espanto e boas vindas.
À noite, porém, veio a prova-de-fogo. Era dia de Fla-Flu e a platéia - lotada - estava eufórica.Gritos, assovios e palavrões rolavam a cada lance do jogo. Junto a isso, os pedidos - muitas vezes aos berros - por mais bebida. Por instantes, pensou que fosse enlouquecer, tamanha era a quantidade de solicitações.
Ao final da partida, uma briga entre marido e mulher - torcedores adversários - esvaziou um pouco o lugar.
Veio então a constatação de uma enorme quantidade de garrafas vazias, escondidas, que foram consumidas sem o devido pagamento e, pela primeira vez, a sensação de arrependimento. O jeito foi tocar a bola pra frente e encarar o novo dia que trouxe-lhe ainda outras surpresas.
Alguns senhores distintos faziam churrasco na calçada em frente e, sem cerimônia alguma, apanhavam cadeiras e mesas do bar que foram devolvidas à tardinha, imundas. O volume de copos sujos superava qualquer expectativa pois naquele lugar as pessoas têm o hábito de oferecer um "copinho" a cada amigo que passa. Isso sem falar nos famosos "serrotes" - um bando de desocupados que cercavam os tais senhores como mariposas em torno de uma lâmpada e que desaparecia tão logo os distintos senhores pagassem a conta. Isso sem considerar o fato de que, muitas vezes, todos se achavam no direito de apanhar bebidas diretamente na geladeira, sem prévio aviso, dificultando enormemente a cobrança ao final.
Ele então percebeu que apenas um exército de empregados poderia impedir isso mas, na impossibilidade de pagar tantos salários, o jeito seria desdobrar-se em mil para tentar diminuir os prejuízos com esses pequenos grandes enganos.
Reclamar? Ora eles estavam consumindo as cervejas do bar e por isso julgavam-se com direitos não muito saudáveis.
Era época de campanha política e o candidato do lugar arrastava multidões por onde passava. Uma multidão de fãs e "amigos" que o abraçava e beijava, pedindo favores em troca de votos (promessas com certeza não cumpridas, haja vista o resultado das eleições).
Os pedidos de pinga, cerveja e refrigerante se multiplicavam em progressão geométrica, com o candidato esquecendo-se várias vezes de pagar ao final, ficando para o bar a fatura da festa.
Aqui todos se beijam e abraçam espalhafatosamente. Todos se vangloriam de serem conhecidos ou moradores do lugar há 30, 40 anos e de conhecerem a árvore genealógica dos outros.
Quando se afastam, porém, a maledicência é uma constante e os "amigos" se revelam de modo pérfido, apontando as fraquezas e desvios de cada um.
Assim ele ficou sabendo que as traições conjugais, as drogas e a aplicação de pequenos golpes rolam soltas por ali.
Com o tempo, observando o comportamento dessa gente, ele pode tirar algumas conclusões, deduzindo algumas verdades e um amontoado de mentiras.
A grande e maior verdade, talvez, seja que a falsidade grassa nesse lugar com carrões e pessoas estilosas que perdem a pose com apenas alguns copos e demonstram toda a sua arrogância e falta-de-educação. Nisso, o público feminino supera, de longe, o masculino.
Cospem e jogam pontas de cigarro no chão, mesmo com um cinzeiro à mesa. Depredam banheiros sem piedade, quebram copos e garrafas sempre com um sorriso sarcástico, como se isso fosse a coisa mais natural do mundo. Pedidos de desculpas, nem pensar.
Impossível esquecer o péssimo hábito de trazerem comidas e bebidas de outros locais para degustá-las ali, servindo-se de talheres e guardanapos do bar, no maior descaramento. Ao sair, a horda deixa atrás de si um rastro de lixo e sujeira nas mesas. Um hábito repreensível que, para eles, é perfeitamente normal.
Triste realidade a desse lugarzinho metido a cosmopolita.
Vai esperar o ônibus e ele demora? Puxe uma cadeira do bar para a beira da calçada e espere confortavelmente. Quando o ônibus vier, deixe-a onde está pois o pessoal do bar tem a obrigação de rearrumar tudo.
Quer fazer um trabalho escolar ou um relatório de trabalho? Vamos, o bar está logo ali: é só puxar uma cadeira, espalhar a papelada sobre a mesa e realizar suas tarefas.
Ah, sim. Eles estão bebendo em outro bar e querem usar o seu banheiro? Permita. Eles provavelmente irão molhar todo o seu banheiro, tomar banho na sua pia e utilizar todo o seu papel-toalha para se secarem.
Continua...

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